quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Netos podem pleitear parentesco e herança do avô




O pai, ao falecer sem investigar sua paternidade, deixou a certidão de nascimento de seus descendentes com o espaço destinado ao casal de avós paternos em branco, o que já se mostra suficiente para justificar a pretensão de que seja declarada a relação avoenga e, por consequência, o reconhecimento de toda a linha ancestral paterna, com reflexos no direito de herança.

Considere-se, sobretudo, que a preservação da memória dos mortos não pode se sobrepor à tutela dos direitos dos vivos que, ao se depararem com inusitado vácuo no tronco ancestral paterno, vêm, perante o Poder Judiciário, deduzir pleito para que a linha ascendente lacunosa seja devidamente preenchida.
Neste contexto, qualquer investigação sobre o parentesco na linha reta, que é infinita, e, também, na linha colateral, limitada ao quarto grau, é possível, porque o direito ao parentesco (natural ou civil) é direito da personalidade, e, conseqüentemente, sua pretensão é imprescritível, porque seu objetivo é uma declaração de estado. Ressalte-se que não o são os direitos patrimoniais e notadamente os sucessórios que derivam desses direitos personalíssimos. A obtenção dos efeitos patrimoniais dessa declaração de estado será, portanto, limitada às hipóteses em que não prescrita a pretensão sucessória.
Deve, portanto, ser assegurado aos netos o direito de ver declarada a relação de parentesco com o avô, a ser buscada pelos meios processuais postos ao alcance de todos, sobrepondo-se a qualquer cláusula restritiva ao direito de personalidade.
Por tudo isso, muito embora seja a investigação de paternidade personalíssima, nos termos do art. 363 do CC/16 (correspondência: art. 1.606 do CC/02), é perfeitamente admissível a ação declaratória para que diga o Judiciário se existe ou não relação material de parentesco com o suposto avô, ou ainda, outro parente, na linha reta, sem limitações, ou na colateral, limitada ao 4º grau.
Ressalte-se que o art. 1.609, parágrafo único, do CC/02, ao dispor que o reconhecimento do filho pode ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendente, é expresso ao permitir que o avô reconheça a relação de parentesco em primeiro grau na linha reta com o filho que faleceu e, consequentemente, a relação de parentesco em segundo grau na linha reta com os netos.
O art. 27 do ECA assegura o exercício do direito de filiação contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, o que vem a ampliar sobremaneira a possibilidade do reconhecimento de relações de parentesco.
Os arts. 1.845 e 1.846, do CC/02, outorgam aos netos a qualidade de herdeiros necessários dos avós, resguardando-lhes o direito à legítima. É o direito de herança, além do mais, tutelado pelo art. 5º, XXX, da CF/88.
Em arremate, o art. 226, § 4º, da CF/88, reconhece como família monoparental a comunidade formada pelos pais e seus descendentes, o que alarga o conceito de filiação, porquanto não o limita aos filhos.
Assim, as relações de família tal como reguladas pelo Direito, ao considerarem a possibilidade de reconhecimento amplo de parentesco na linha reta, ao outorgarem aos descendentes direitos sucessórios na qualidade de herdeiros necessários e resguardando-lhes a legítima e, por fim, ao reconhecerem como família monoparental a comunidade formada pelos pais e seus descendentes, inequivocamente movem-se no sentido de assegurar a possibilidade de que sejam declaradas relações de parentesco pelo Judiciário, para além das hipóteses de filiação.
Por fim, dentre outros no mesmo sentido, colacione-se precedentes desta Corte que asseveram ser “legítima a pretensão dos netos em obter, mediante ação declaratória, o reconhecimento de relação avoenga e petição de herança, se já então falecido seu pai, que em vida não vindicara a investigação sobre a sua origem paterna” (AR 336/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 2ª Seção, DJ de 24/4/2006). Da mesma forma, “é juridicamente possível o pedido dos netos formulado contra o avô, os seus herdeiros deste, visando o reconhecimento judicial da relação avoenga” (REsp 604.154/RS, Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, DJ de 1º/7/2005).
Ainda sobre o tema, embora em sentido mais abrangente, esta 3ª Turma reconheceu a possibilidade jurídica de pedido que buscava declarar relação de parentesco entre tios e sobrinhos, com pretensão de reflexos nas obrigações sucessórias (REsp 326.136/MG, de minha relatoria, DJ de 20/6/2005).
Desse modo, considerada a jurisprudência do STJ no sentido de ampliar a possibilidade de reconhecimento de relações de parentesco, e desde que na origem seja conferida a amplitude probatória que a hipótese requer, há perfeita viabilidade jurídica do pleito deduzido pelos recorrentes, no sentido de verem reconhecida a relação avoenga, afastadas, de rigor, e, portanto, definitivamente, as preliminares de carência da ação por ilegitimidade de parte e impossibilidade jurídica do pedido, sustentadas exaustivamente pelos recorridos.
Assinale-se, ao final, que, ainda que nada tenha sido mencionado no acórdão impugnado sobre a condição da primeira recorrente, mãe dos supostos netos, que aguarda possível meação do marido ante a pré-morte do avô dos seus filhos, segue mantida, quanto a ela, de igual modo, a legitimidade e a possibilidade jurídica do pedido, notadamente porque entendimento diverso redundaria em reformatio in pejus.
Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para cassar o acórdão impugnado e determinar o prosseguimento da ação, nos moldes do devido processo legal.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) (Relator):
Sr. Presidente,não tenho a menor dúvida em acompanhar o voto da eminente Ministra Nancy Andrighi e dos eminentes Colegas que a acompanharam, mas me preocupa, sobremaneira, a extensão que S. Exa. dá ao final de seu voto.
Toda a fundamentação trazida a este julgamento fala em termos de ancestralidade, de direito personalíssimo da origem. Vejo que estender esse direito também à mãe dos supostos netos seria uma extensão muito ampla, que foge a toda fundamentação discutida nesta Seção.
Pedindo vênia a eminente Ministra Nancy Andrighi, apenas com referência a esse tópico, com o qual manifesto a minha discordância, acompanho o voto, no que diz respeito aos demais fundamentos.
Dou provimento ao recurso especial em menor extensão.

fonte:http://www.familiaesucessoes.com.br/?p=1111

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