quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Colação de bens



A doação disfarçada de bens, desde que se comprove o intuito fraudulento ou abusivo, sujeita-se igualmente à colação. Situação peculiar de fraude ou ato abusivo na formulação de benesses a determinado herdeiro seria a de lhe atribuir bens sob a forma societária.

A hipótese enseja desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para que se evite a confusão patrimonial em prejuízo aos demais herdeiros, aplicando-se os princípios da disregard, que vieram a ser acolhidos no art. 50 do Código Civil. Por certo que constitui expediente ardiloso a formação de uma sociedade com atribuição de quotas ou ações em favor de herdeiro sem o efetivo ingresso de capital por parte deles. Tome-se o exemplo de um pai que constitui uma sociedade comercial com dois dos seus três filhos, e somente ele faz aportes reais ao patrimônio da entidade.
Será manifesto o prejuízo do herdeiro não incluído na sociedade, quando da apuração dos bens na herança do genitor, pois receberá apenas seu quinhão proporcional nas quotas do pai, enquanto os demais filhos acumularão seus quinhões hereditários com as quotas antes auferidas na sociedade aparente. Será cabível, em tais condições, desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade para que se reintegre o herdeiro prejudicado na plenitude dos seus direitos legitimários na herança .
7. Herdeiros que são obrigados à colação de bens recebidos por doação
Sujeitam-se à colação os descendentes que concorrem à sucessão do ascendente comum, quando hajam dele recebido doações em vida. Classificam-se como tais os filhos, netos e outros de mais distante parentesco.
São os primeiros na ordem da vocação hereditária, obedecida a proximidade de grau, conforme estipulado no art. 1.829 do Código Civil, com possível concorrência do cônjuge, na dependência do regime matrimonial de bens, ou do companheiro sobrevivente, relativamente aos bens havidos onerosamente durante a convivência, agora nos termos do art. 1.790 do mesmo ordenamento.
Note-se que o Código, no comentado art. 2.002, não inclui outros herdeiros nesse dever de colacionar, restringindo-se aos descendentes que entre si disputem o acervo hereditário. Mas o subseqüente art. 2.003 parece ampliar o rol, ao afirmar que a colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida no Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente.
Acrescente-se, ainda, quanto dispõe o art. 544 do Código Civil, sobre doação de ascendentes a descendentes ou de um cônjuge a outro, considerando esse ato de liberalidade como adiantamento do que lhes cabe por herança.
Assim, nas hipóteses em que concorram à sucessão descendentes e cônjuge, haveria necessidade de serem colacionados bens havidos tanto por aqueles quanto por este, para que se cumpra a disposição normativa de igualação das legítimas dos herdeiros necessários.
Quanto aos netos, o art. 2.009 do Código Civil afirma que se responsabilizam pela colação quando sucedam por representação dos pais, na sucessão dos avós. A obrigação de conferir os bens havidos pelos pais, nessas condições, seria uma decorrência da sucessão por representação.
Mas, na hipótese cuidada no art., a colação deve ser procedida mesmo que os netos não hajam herdado o bem havido pelos pais representados, como se dá em hipóteses de alienação ou perecimento do objeto. Por isso, não se pode afirmar que seja desnecessária a norma, muito embora se possa criticar o seu rigor por responsabilizar os netos por reposição de bens a que, eventualmente, não tenham tido efetivo acesso.
Observe-se que a lei só faz referência a netos, esquecendo a possibilidade de haver representação por herdeiros bisnetos, trinetos etc.., desde que pré-mortos ou excluídos da herança os seus ascendentes. Em tal caso, assumem, aqueles descendentes mais remotos, a mesma obrigação que caberia aos netos, de colacionar doações na sucessão do autor da herança, pois a representação em linha reta não se submete a limites de grau de parentesco.
8. Como se calcula a legítima, para fins de colação
Entende-se por legítima a metade do valor da herança do falecido. A outra metade constitui a porção disponível, que pode ser objeto de livre transmissão pelo seu titular, por instrumento de doação, em vida, ou por meio de testamento, para valer após a sua morte. Aquela parte indisponível, chamada de legítima, constitui direito inderrogável dos herdeiros necessários, que são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge sobrevivente (art. 1.845 do CC).
Quando se abre a sucessão por morte do autor da herança, torna-se muito importante a consideração da legítima, em face dos direitos dos herdeiros necessários, uma vez que a lei determina que os descendentes que tenham recebido bens por doação do ascendente, ficam obrigados a trazer à colação os respectivos valores, exatamente para respeitar a legítima dos demais herdeiros concorrentes na herança.
Sobre o cálculo da legítima que compete aos herdeiros necessários, estabelecem critérios norteadores os arts. 1.847 e 2.002, par. ún., do Código Civil.
A legítima se apura pelo valor dos bens da herança existentes na abertura da sucessão (data do óbito do autor da herança), abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação. Lembrar que somente se considera herança a parte que tocava ao falecido, excluída, pois, a meação atribuída ao cônjuge sobrevivente.
Depois de abatidas as dívidas da herança, o monte líquido é dividido em duas partes iguais: uma é a porção disponível e outra a indisponível, por constituir-se na legítima dos herdeiros necessários.
Sobre essa parte indisponível é que se adicionam os bens sujeitos a colação, obtendo-se, com a soma, a legítima partilhável aos descendentes, em quotas paritárias. Não se objetiva aumentar a parte disponível, mas tão somente igualar as legítimas dos herdeiros, isto é, trazer para o acervo da herança os valores recebidos pelos herdeiros, como doação, para subseqüente partilha em igualdade de condições, a todos os interessados.
Em se cuidando de doação feita por ambos os cônjuges, a colação dos bens se fará por metade, no inventário de cada um, com distinta apuração das legítimas. A regra se colhe do art. 2.012 do Código Civil, ensejando críticas por ser desnecessária ante a individualidade das heranças em jogo, e, também, pela sua imprecisão técnica, uma vez que, dependendo do regime de bens e da quota dominial de cada cônjuge, pode haver doação de bens em frações diferenciadas, e não por metade.
A suposição é a de que os cônjuges tenham doado bem de propriedade comum, seja pela aquisição conjunta ou pelo direito de comunhão decorrente do regime de bens adotado no casamento. Em tal hipótese, a doação feita em conjunto, pelos cônjuges, ao descendente comum, envolve, na realidade, uma dupla transmissão, representando, cada qual, uma antecipação da herança paterna ou materna. Cada doador efetuou o ato de liberalidade com relação à porção do bem que lhe competia, e, por isso, no inventário de cada um dos cônjuges se conferirá o que for doado, na proporção do seu valor.
9. Dispensa de colação dos bens doados sobre a parte disponível
Embora o dever de colacionar seja a regra, existem exceções contempladas na lei, a principiar pelo art. 2.005 do Código Civil, que faculta ao doador determinar a dispensa da colação, mediante imputação de seu valor na parte disponível da herança, contanto que não a exceda, considerado o seu valor ao tempo da liberalidade.
Trata-se, nesse caso, de dispensa voluntária, expressa pelo doador no ato transmissivo a título gratuito. Mas há outras hipóteses que decorrem da preceituação legal, como as referentes a gastos ordinários do ascendente com o descendente (art. 2.010 do CC) e às doações remuneratórias (art. 2.011).
A dispensa de colação pelo doador constitui, na verdade, uma explicitação de que o bem transmitido se enquadra dentro da parte disponível da herança, de tal sorte que não há de ser considerado para fins de igualação das legítimas, salvo no que tocar ao excesso. Saliente-se que a vontade do doador deve ser manifestada às expressas, não se admitindo extraí-la por mera presunção, visto que a regra seria a de inclusão do bem doado entre os colacionáveis.
O par. ún. do art. 2.005 do Código Civil considera como presumida a imputação na parte disponível de doação feita a descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário. Em tal caso, portanto, torna-se desnecessária a dispensa expressa da colação, em vista de tratar-se de beneficiário estranho à sucessão. Situa-se como tal a doação feita a um descendente neto, quando concorram à herança apenas os descendentes filhos do falecido.
Diversa a conseqüência, porém, se os netos estiverem representando os pais na sucessão dos avós, pois serão obrigados, então, a trazer à colação, ainda que não o hajam herdado, o que os pais teriam de conferir (art. 2.009 do CC).
Hipótese específica de doação permitida por lei como forma de distribuição antecipada da herança é a chamada partilha em vida, de que trata o art. 2.018 do Código Civil. Cuida-se de ato entre vivos (doação), que igualmente pode dar-se por ato de última vontade (testamento), em que se entende válida a partilha feita pelo ascendente, desde que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários.
Não haverá falar, portanto, em colação de bens por parte dos donatários, mas apenas, quando couber, em redução das doações quando excedentes da parte disponível, considerando-se aquilo de que o doador poderia dispor no momento da outorga, à semelhança do que se faz na doação inoficiosa a terceiros (art. 2.007 do CC).
Sobre os instrumentos que servem à dispensa da colação pelo doador, estabelece o art. 2.006 do Código Civil que podem ser o próprio título de liberalidade ou o testamento. Não servem outros meios, como simples escritos particulares ou declarações verbais.
Se utilizado o próprio instrumento de doação para a dispensa do dever de colacionar, torna-se o ato irrevogável, uma vez que se integra no conteúdo do ato jurídico. Diversa será a conclusão no caso de dispensa por testamento, pela sua característica de ato revogável, desde que observado o mesmo modo e forma como pode ser feito (art. 1.969).
10. Situação em que não cabe colação, mas sim a redução das doações
Embora sem previsão específica no capítulo sobre colações, no Código Civil de 1916, sempre foram observados os princípios básicos da redução das doações, em face das disposições relativas ao resguardo da legítima e pela invalidade das doações quanto à parte excedente à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento (art. 1.176 do Código revogado, com reiteração no art. 549 do atual).
No vigente Código, há norma expressa, no art. 2.007 e seus parágrafos, no sentido de que se sujeitam à redução as doações feitas em excesso quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade. Mantém-se, na verdade, a rota dos mesmos critérios legais de redução das disposições testamentárias em excesso às análogas situações de transmissão de bens em vida, por atos de liberalidade, para conforto das quotas legitimárias dos herdeiros necessários. Note-se, a esse propósito, que o § 3o do art. 2.007 do Código em vigor, ao deliberar sobre o modo de restituição ao monte do excesso pela redução da liberalidade, termina por remeter à aplicação das regras sobre a redução dos excessos praticados por testamento.
Bom repisar a distinção entre colação e redução das doações em excesso. Aquela tem lugar apenas e quando haja disputa da herança entre certa categoria de herdeiros necessários, que são os descendentes e o cônjuge sobrevivente, obrigando à conferência dos valores das doações para que componham os quinhões hereditários e permitam a igualação dos direitos sucessórios, salvo nos casos de dispensa por vontade do testador ou determinação legal.
Diversamente, a redução das doações efetua-se apenas sobre a parte excedente daquilo que o doador poderia dispor, aplicando-se não só aos descendentes e ao cônjuge sobrevivente, mesmo que tenha havido dispensa da colação, como também a outros donatários, sejam herdeiros ou estranhos à sucessão, para que se resguarde a legítima dos herdeiros necessários, que são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge sobrevivo.
A apuração do excesso das doações faz-se com base no valor que os bens doados tinham, no momento da liberalidade, como estatui o § 1o do comentado art. 2.007 do Código Civil, repisando o mesmo critério que serve à colação de bens. Sobre a forma de redução da liberalidade, dispõe o § 2o daquele art. que far-se-á pela restituição ao monte do excesso assim apurado, relativamente à parte disponível dos bens do doador no momento em que efetuou a transmissão.
Adota-se, aqui, o critério da substância, uma vez que o texto legal manda que se efetue a restituição em espécie. Somente na hipótese de não mais existir o bem em poder do donatário é que se fará a entrega do correspondente valor em dinheiro, pelo critério da estimativa.
Do § 3o do art. 2.007 do Código Civil consta que fica sujeita a redução a parte da doação feita a herdeiros necessários, naquilo que exceder a legítima e mais a quota disponível. Parece pleonástica, essa disposição, mas simplesmente significa que o cálculo do excesso atende ao direito que tem o herdeiro necessário, ao receber doação, direito esse que se constitui da sua legítima e mais o que couber na porção disponível. Por isso é que apenas o excesso fica sujeito a redução.
O comentado art. 2.007, em seu § 4o, estabelece uma gradação sucessiva das doações a herdeiros necessários, quando efetuadas em datas diferentes, mandando que se reduzam a partir da última, até a eliminação do excesso. Resguardam-se, pois, em gradação sucessiva, as doações mais antigas, que se atenham à porção disponível, quando o excesso somente tenha ocorrido a partir de certo momento da prática das liberalidades.
Por fim, são lembrados os casos de exclusão da herança, por renúncia, indignidade ou deserdação: dispõe o art. 2.008 do Código Civil que prevalece, em tais situações, a obrigação de conferência dos bens por parte do herdeiro renunciante ou do que foi excluído da herança, para o fim de repor o que exceder o disponível. De igual conteúdo, apesar da ligeira troca de palavras, a norma expressa no art. 1.015 do Código de Processo Civil.
Não se trata, aqui, de colação de bens doados, a que se sujeitam apenas os herdeiros descendentes e o cônjuge sobrevivente no direito de igualação de suas legítimas. Cuida-se, para o herdeiro renunciante ou excluído da sucessão, do dever de conferir os excessos havidos sobre a parte disponível, mediante a redução das doações, em situação similar aos estranhos que recebam bens além do que poderia o autor da herança ter disposto no momento da liberalidade (art. 2.007, combinado com o art. 549 do CC).
11. Hipóteses legais de doações excluídas da colação
Certas espécies de doação não se sujeitam a colação, em vista de seu caráter puramente assistencial ou por serem de natureza remuneratória.
Assim é que o art. 2.010 do Código Civil manda excluir da colação os gastos ordinários do ascendente com o descendente, enquanto menor, na sua educação, estudos, sustento, vestuário, tratamento nas enfermidades e enxoval. Acrescentam-se, ainda, as despesas feitas no interesse da defesa do descendente em processo criminal.
Entende-se por gastos ordinários os que se mostrem exigíveis e normalmente aceitos, dentro do padrão sócio-econômico das partes, para a criação e a defesa do filho, atendidos os critérios da moderação e da razoabilidade. Tais dispêndios enquadram-se no dever de assistência material entre ascendentes e descendentes (arts. 1.566 e 1.568 do CC), como componentes do chamado ?poder familiar? (art. 1.634 do CC) e constituem típica prestação alimentícia (art. 1.694 do CC). Daí sua distinção, contemplada na lei, para evitar a obrigação de colação inerente a doações de bens de outra espécie.
Mas comporta crítica a referência à menoridade do descendente, pois o dever de assistência entre parentes pode dar-se também com relação a maiores, desde que sejam inválidos e sem capacidade de auto-sustento.
Subsiste, com relação a tais pessoas, a obrigação de amparo por parte dos ascendentes, que, em tais condições, estarão cumprindo dever legal de aplicação de recursos para o atendimento das necessidades do alimentando, sem que tais dispêndios signifiquem atos de liberalidade passíveis de colação na sucessão hereditária do pagante.
Outros gastos não colacionáveis são aqueles destinados a enxoval e casamento (convites, celebração, festa das bodas) do descendente menor. Veja-se que a capacidade nupcial se inicia aos 16 anos de idade (salvo autorização judicial para quem tenha menos), sendo que até os 18 anos os menores sujeitam-se ao consentimento paterno.
Por estarem sob o pálio do poder familiar, os descendentes assim classificados devem contar com a assistência também nesse momento de se aprestarem à união conjugal.
Quanto às despesas com defesa do descendente em processo-crime, perdeu sentido a disposição, diante da redução da maioridade aos 18 anos, na esfera civil, igualando-se à imputabilidade no campo penal. Não haverá lugar, portanto, para que se gaste com a defesa do descendente em processo-crime, pela simples razão de que, enquanto menor de 18 anos, acha-se imune à responsabilização criminal por seus atos.
Encerrando a casuística dos bens não colacionáveis, o art. 2.011 do Código Civil menciona as doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente.
Não obstante o caráter de liberalidade, tais doações assumem um correlato perfil da contraprestação inerente à paga de serviços, como recompensa ao descendente pela prática de certos atos, ainda que o pagamento não seja legalmente exigível (pois se o fosse, outra seria a sua natureza, como encargo trabalhista).
Ressalve-se, porém, que a doação remuneratória há de ser quantificada na direta proporção dos serviços em causa, para que não representem excesso incompatível com aquele objetivo da recompensa ao prestador de serviços. Eventual excesso no ato de liberalidade será, então, sujeito às normas referentes à colação de bens.
São Paulo, 12 de abril de 2004.


fonte:http://www.familiaesucessoes.com.br/?p=879

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