quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O Dano Moral na Investigação de Paternidade


  
   1. A responsabilidade civil no Direito de Família.

                  

        É de Ripert a afirmação de que o dano que ontem inclinava para o nefasto azar, hoje, intenta encontrar seu autor e, a infactível e conformada resignação, cede espaço para a responsabilidade civil, quer pelo prejuízo material, quer incida o dano sobre valores imateriais.

   Embora nunca tivesse sido da prática judiciária brasileira a reparação pecuniária de ilícitos civis no campo do Direito de Família, é fácil verificar que a indenização, potencialmente, sempre gozou de muito trânsito nas relações familistas codificadas, passando inclusive, pelo instituto do concubinato, mesmo quando em época mais distante, estas relações situadas à margem da lei, buscavam intimidade exclusiva com o Direito das Obrigações e a Constituição Federal nem em alento, ensaiava desenhar qualquer grau de proteção estatal ao casamento informal.

        Apenas, para não deixar fugir a oportunidade do tema concubinário, registram ainda lúcidos alfarrabios, em acalentados arestos, consignando reparação material e de ordinário, paga em moeda à companheira, visando corriqueiramente, quitar sua dedicação familiar e afetiva e pagar pelo temor do infortúnio, diante do descarte que lhe faz o parceiro, à própria sorte, já que totalmente esmaecido o relacionamento informal, usualmente, por ponderável tempo de convivência. Escreveu Mário Moacyr Porto [1]que o concubinato é uma circunstância incidental que não pode constituir-se em óbice à pretensão de uma indenização de um dano injusto, face a abrangência dos amplíssimos termos do art. 159 do Código Civil. E até mesmo o dano moral e, no caso, indenizável, pois a dor é um fato e não existe dor legal e ilegal, como diz André Tunc.

        Significa considerar nestes parcos exemplos por enquanto citados, que na área do Direito de Família, com certeza, se ajustam os fatos na busca de uma base sólida, para assento de uma variedade de edificações, todas oriundas da responsabilidade civil de indenizar pelo dano material ou moral, provocado cada qual deles, no decorrer das relações de família. A responsabilidade civil expande-se por todos os ramos do direito civil, e também transita pelo Direito de Família, tanto em seus aspectos pessoais de vínculo familiar, como na esfera patrimonial das relações oriundas do estado familiar. No campo da violência familiar é perceptível, quão fértil e importante é encontrar amparo às lesões graves, pelas quais já não é aceito reine o temor sobre o silêncio reverencial do parente ofendido.

        Sem que implique a exaustão, mas, mera exemplificação de um espectro indiscutivelmente mais amplo, no respeitante à separação judicial, todas suas causas culposas podem importar, dentro dos conceitos de conduta desonrosa ou violação de qualquer dos deveres do casamento, num ato ilícito, capaz de ocasionar lesão factível de reparação. 

        Portanto, o ressarcir pressupõe a existência de um dano, quer ele aconteça na órbita patrimonial, por atingir bem integrante do patrimônio físico de uma pessoa; quer ele advenha de um prejuízo moral, imaterial, por atingir valores ligados à personalidade da pessoa ofendida e, por certo, atingindo os atributos mais preciosos da vida humana, sua honra , seu nome, sua fama e a reputação social que a pessoa goza e desfruta no seu círculo social e familiar, na exata dimensão da sua riqueza moral.

        Inafastável observar que na escala da valoração pessoal, relevam maior hierarquia a proteção do patrimônio moral do ser humano probo, do que pudesse ser brindado aos seus bens patrimoniais, estes, sempre passíveis de uma substituição menos dolorosa e com efeito, admitindo ordinariamente, uma adequada e aferível compensação pecuniária. Melhor clarifica a compreensão do tema em exposição, se considerarmos que os bens extrapatrimoniais constituem o que a pessoa representa socialmente, e os bens patrimoniais, o que a ela possui e no sopesar destas duas riquezas, concluir que fortuna alguma lograria realmente, reparar qualquer danosa ferida causada à representação moral que é forjada durante cada minuto da vida.

        Os juristas de hoje, manifestam extremo temor de que se crie uma banalização da reparação do dano moral, onde qualquer aborrecimento trivial, ou uma excessiva exposição da sensibilidade subjetiva, fossem fontes de milionárias indenizações. Sérgio Cavalieri Filho [2]só admite o tutelamento jurídico do dano moral representado pela dor efetiva, o vexame, o sofrimento ou a humilhação que, fugindo à normalidade, interfiram intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe, conforme arremata; aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Clayton Reis[3]ao narrar especificamente o dano moral em decorrência dos laços de parentesco e de afinidade, e que unem as pessoas nos círculos familiares, diz que, encontram-se cimentados por fortes e preponderantes elos de natureza sangüínea e afetiva, o que dá bem a dimensão da gravidade moral que pode representar por exemplo, a negação social, justamente, deste vínculo parental, do pai que expatria o filho gerado fora do casamento.

        No seara do Direito de Família, em que pese como visto, seu completo desuso na jurisprudência pátria, conleva referir que a vulneração dos direitos e deveres de ordem familiar, é ato, sempre suscetível de originar reparação patrimonial ou moral. Acontece, que no âmbito do direito privado, explica Roberto H. Brebbia [4]situa-se o estado de família , que se sobrepõe como um atributo da personalidade e, qualquer ilícito atentatório deste estado de família é capaz de originar um agravo moral, tal como sucede nos demais casos de violação dos direitos da personalidade humana, na sua estrutura ético-moral, seu patrimônio mais íntimo.

                 

        Mário Moacyr Porto [5]abordando a responsabilidade civil entre cônjuges, admite a cumulação do processo ordinário de separação judicial, com pleito de indenização do dano resultante de injúria proferida contra consorte, refletindo o ultraje, desastrosamente na reputação social ou profissional do parceiro. Fazem fila nesta categoria de ilícitos familiares as ofensas à honra matrimonial, a simples negligência ou imprudência pela transmissão ao outro cônjuge de enfermidade contagiosa, a recusa injustificada ao reconhecimento da paternidade biológica extramatrimonial, assim como, a imputação caluniosa de adultério, ou demanda arbitrária de interdição.[6]

         

        2. A pensão alimentícia como suposto de indenização.

        Sucede no entanto, que durante muitas décadas e dentro da filosofia de que o casamento deveria ter a duração da própria existência terrena dos cônjuges, não eram muitos os processos judiciais de separação, eis que escassas as causas justificadoras do antigo desquite e se determinado matrimônio batesse às portas do Judiciário, com efeito, que a culpa separatória restava usualmente compensada pelo crédito alimentício prestado em favor do cônjuge inocente.

        As circunstâncias culposas da separação eram exclusivamente questionadas com vistas à pensão alimentícia, que antes da vigente Lei do Divórcio, os alimentos sempre eram concedidos à mulher, por presunção de sua necessidade, conforme norma textual da Lei nº 5.478/68, em seu 4º artigo. Com o advento da lei divorcista e já mais próximos de uma paridade dos sexos, dentro e fora do casamento, como princípio fundamental promulgado pela Carta Política de 1988, ainda o direito brasileiro segue perquirindo a responsabilidade conjugal pela separação, contudo sem a mesma importância anterior, em que só existia decreto separatório quando identificado o cônjuge culpado pela falência da sociedade matrimonial, isto, quando ambos não restavam reciprocamente responsáveis.

        É de visível percepção que o legislador brasileiro cada vez mais se aproxima para a eliminação do exame da culpa nos processos judiciais de separação litigiosa, já que cria possibilidades legais de extinção do casamento pelo mero decurso de prévio prazo exigido por lei, para fática separação do casal.

         Os alimentos no entanto, sempre tiveram destinação específica de subsistência do parceiro desprovido de recursos próprios para sua manutenção, não se confundido jamais, como paga indenizatória decorrente do rompimento culposo do casamento, muito embora, mas sem razão, alguns textos de doutrina negassem a indenização dos danos derivados da separação culposa, por considerá-los cobertos com a pensão alimentícia em favor do inocente. Basta ver que a indenização carrega no seu objetivo, um fundamento de punição pecuniária daquele que violou sagrados deveres éticos do casamento, ou do  seu estado de família, enquanto que os alimentos, embora também satisfaçam à vítima, têm como função, assegurar-lhe a sobrevivência física e cessam quando desaparecem as necessidades do beneficiário, isto, quando não surjam outras razões de exoneração, como por exemplo, o remaridamento do alimentário, ou sua independência financeira com a alocução de um trabalho e da sua correlata remuneração.

        Augusto C. Belluscio [7]explica que a jurisprudência argentina assentou ao cabo de longa discussão, o critério de que - independente da pensão alimentícia concedida ao cônjuge inocente, que reparava os prejuízos derivados do divórcio em si - o cônjuge inocente podia obter indenização de danos e prejuízos, se resultassem dos fatos que haviam motivado a dissolução do vínculo nupcial, um prejuízo material e moral distinto daquele que originou a ruptura do casamento e que a pensão teve por objetivo reparar. Portanto, não há como confundir a pensão alimentícia com o ressarcimento do ato ilícito conjugal ou mesmo paterno, no caso da investigatória de paternidade por recusa do reconhecimento voluntário do parentesco biológico, porquanto a indenização carece da averiguação das necessidades do seu destinatário, assim como, sequer se limita ou vincula à fração das rendas do alimentante e muito menos está sujeita à revisão, como bem lembra Omar U. Barbero[8]e também não cessa pela ocorrência de novo matrimônio do cônjuge credor.

        Ao mesmo tempo em que a indenização no Direito de Família estimula os demais integrantes da comunidade a cumprirem com os deveres éticos impostos para as relações familiares, a pensão alimentícia prossegue vista como um dever de satisfação, que marido e mulher têm entre si e para com seus filhos, no propósito que transcende ao matrimônio, de contribuir para a satisfação das necessidades materiais da família. É correto afirmar que existe na obrigação alimentar uma dose muito forte de um dever moral de assistência, como obrigação espiritual imposta em lei, mas, com vigência durante o matrimônio, quando o par reciprocamente se apresenta para repartir afeto, dificuldades e alegrias próprias de uma desejada convivência e que desaparecem quando cessa esta mesma convivência.

       

        3. Pressupostos da responsabilidade civil.

        A conduta humana culposa, exteriorizada pela ação ou omissão, quando causam dano a outrem, ensejam o dever de repará-lo [9]. Luiz Rodrigues Wambier[10]ressalta que o artigo 159 do vetusto Código Civil Brasileiro destaca a necessidade da presença do fator culpa, no ato causador do dano, para que se configure, via de regra, a responsabilidade civil pelo ressarcimento, tendo como seus elementos de caracterização a ação ou uma omissão, voluntária e antijurídica, explica Wambier; a existência de dano e, por fim, a relação de causalidade entre a conduta e o resultado, vale dizer, como faz Carlos Alberto Bittar, o vínculo entre ambos.

         A responsabilidade civil no Direito de Família também é subjetiva, exige um juízo de censura de agente capaz de entender o caráter de sua conduta ilícita. É preciso demonstrar sua culpa, tanto que Sergio Cavalieri Filho[11]observa que "a vítima de um dano só poderá pleitear ressarcimento de alguém se conseguir provar que esse alguém agiu com culpa; caso contrário, terá que se conformar com a sua má sorte e sozinha suportar o prejuízo."

        Sob o aspecto do prejuízo, há que se tratar de dano certo, presente ou futuro, com exclusão dos eventuais; além de ser próprio, subdividindo-se em dano material, quando há lesão ao patrimônio e moral, se a lesão é extrapatrimonial, encaixando-se nesta categoria os chamados direitos da personalidade, e também os direitos de família emergentes, diz Omar U. Barbero [12]das relações do pátrio poder, fidelidade e autoridade conjugal. Convém invocar a recente lição de Rodrigo da Cunha Pereira [13]quando observa que o indivíduo sequer existe como cidadão, sem uma estrutura familiar, na qual há um lugar definido para cada membro, e destituído deste espaço geográfico, certamente o indivíduo, conclui Rodrigo, seria psicótico.

        Augusto César Belluscio[14] aponta entre alguns danos materiais reparáveis, derivados da separação, aqueles resultantes de lesões físicas por agressão do esposo, contágio de doenças venéreas, escândalos públicos, como também, a dissolução antecipada da comunidade patrimonial existente entre os cônjuges, quando este patrimônio está sendo administrado pelo consorte inocente, que se vê forçado a realizar a partilha, causando notórios danos materiais, como por exemplo, a ruptura de algum negócio ou contrato comercial.

       

                4. O dano moral.

        Já houve tempo em que o dano moral não merecia reparação civil, sob o argumento de que ele era inestimável, e de que seria imoral estabelecer um preço para a dor. Contudo, como bem aponta Sergio Cavalieri Filho [15]o ressarcimento do dano moral tem uma função meramente satisfatória, como meio paliativo de recompensar materialmente o sofrimento ou a humilhação impingida. A jurisprudência brasileira passou a admitir o dano moral, até que vingando a Carta Política de 1988, ela consignou expressamente a reparação do dano imaterial, nos incisos V e X, do seu 5º artigo, inclusive reconhecendo o Superior Tribunal de Justiça com sua Súmula nº 37, a cumulação das indenizações por dano material e dano moral, quando oriundos do mesmo fato.

        Clayton Reis [16]destarte, informa que na atualidade, toda e qualquer lesão que desassossega e transforma a própria ordem social ou individual, quebrando a harmonia e a tranqüilidade que deve reinar entre os homens, acarreta o dever de indenizar.

        Para que não ocorra uma banalização do dano moral, pondera Sergio Cavalieri Filho [17]que meros aborrecimentos, dissabores, mágoas, irritações ou mesmo sensibilidades exacerbadas estão fora da órbita do dano moral, pois este só deve ser reputado existente, quando espelham uma dor intensa, um vexame, sofrimento ou humilhação que fogem à normalidade e, acrescenta o festejado lente, interfiram no comportamento psicológico do indivíduo. Para Aguiar Dias, citado por Omar U. Barbero [18]o dano moral se manifesta pela dor no seu mais amplo significado, refletido pelo espanto, a emoção, a vergonha da injúria física ou moral.

        Maria Helena Diniz [19]esclarece que o direito não repara a dor, a mágoa, o sofrimento ou a angústia, posto que o lesado busca em vero, um lenitivo que atenue, em parte, as conseqüências do prejuízo sofrido, superando o déficit acarretado pelo dano.

        Apenas à guisa de complemento informativo, não seria possível reclamar qualquer dano moral resultante da separação judicial ou do divórcio, sem que em juízo fosse deduzida a correlata ação de separação judicial litigiosa, não de divórcio direto, porque neste, seu pressuposto único é o decurso do tempo da fática separação, proibida qualquer averiguação de culpa; com o conseqüente decreto de dissolução do matrimônio e que reconheça a responsabilidade do parceiro culpado pela ruptura da união, sendo condenado pela causa da separação, em pleito cumulativo de indenização. Também deve ser assinalado que a reconciliação ou o perdão do cônjuge vitimado pelo agravo moral, apaga os efeitos danosos da conduta culposa indenizável, pois, como destaca Aparecida I. Amarante[20]o perdão importa na renúncia ao direito de invocar a culpa.

        5. A honra do incapaz.

        Ninguém poderá afirmar em sã consciência, que não constitui uma especial gravidade, reprovada pela moral e pelo direito, a atitude do pai que se recusa em reconhecer espontaneamente uma filiação extramatrimonial, que resulta comprovada depois em juízo. Deve ser registrado que importa à matéria ora posta sob enfoque, a investigação de paternidade evidentemente, não resultante da relação de casamento, porquanto, dentro do matrimônio legítimo há sempre a presunção de paternidade que só poderá ser elidida através de ação negatória de paternidade, dado que à mãe é permitido registrar o filho e seu vínculo biológico paterno com a prova única do casamento, dispensada a presença do esposo no Ofício Civil. Já na filiação extramatrimonial é indispensável que o ascendente masculino reconheça pessoalmente sua paternidade perante o oficial do Registro Civil.

        Mas, como era dito, falta de reconhecimento do próprio filho engendra, com efeito, um ato ilícito que faz nascer, ao seu turno, o direito de obter um ressarcimento em razão do dano moral de que pode padecer o descendente. Não se apregoa o direito à reparação moral em qualquer investigatória de paternidade extramatrimonial, pela tão-só negativa do pai ao reconhecimento espontâneo, pois que tal atitude, permitiria concluir que ao indigitado pai seria vedado exercer qualquer dúvida sobre uma paternidade que lhe fosse atribuída, por conseqüência de alguma relação sexual e de intimidade que ele não desconhecesse, embora pudesse ter dúvidas acerca da exclusividade daquela relação. A reparação civil admitida com passível de reparação pelo gravame moral impingido ao investigante, haverá de decorrer daquela atitude claramente postergatória do reconhecimento parental; onde o investigado se vale de todos subterfúgios processuais para dissimular a verdade biológica, fugando-se com esfarrapadas desculpas ao exame pericial genético, ou mesmo, esquivando-se da perícia com notórios sintomas de indisfarçável rejeição ao vínculo de parentesco com filho, do qual tem sobradas razões para haver como seu descendente.

        Como ascendente sujeito ao reparo moral, situa-se também aquele que, mesmo depois de apresentado laudo judicial e científico, de incontestável paternidade, ainda assim, prossegue negando guarida ao espírito humano de seu filho investigante, que busca, agudamente, o direito da declaração da sua paternidade, mas que segue seu genitor a privá-lo da identidade familiar, tão essencial e, condição de seu crescimento e desenvolvimento psíquico, estes, isentos de sobressaltos e fissuras na hígida personalidade psicológica.

        Nunca deve ser esquecido por outro lado, que capacidade civil é meramente requisito para formação final da personalidade, jamais, pressuposto para afirmação do direito à honra. Esta, é bem precioso da pessoa humana, equiparado à própria vida; é bem interno da pessoa, desde seu nascimento, porque respeito e honra têm proteção jurídica e desta tutela a lei não exclui o menor impúbere, como não exclui o louco, nem mesmo o delinqüente ou a prostituta, conforme reforça Santos Cifuente [21].

        Aparecida I. Amarante [22]explica que a aferição do dano não tem como suporte o grau de compreensão da vítima, pois, se assim fosse verificado, grassaria grande injustiça e ficariam desabrigadas, exatamente aquelas pessoas que mais precisam de amparo, como acontece com os menores, os débeis mentais e os ingênuos. É de ser visto que a ofensa moral é punida não propriamente em função da capacidade de compreensão do ofendido, mas, sobretudo, para castigar o ânimo e a potencialidade de agressão do ofensor.

        Portanto, não é o grau de entendimento na percepção da ofensa pelo incapaz, argumento que lhe retire o sagrado direito à honra, tanto que a Constituição Federal, como de igual o Estatuto da Criança e do Adolescente, asseguram à criança e ao adolescente, o direito à dignidade e ao respeito e certamente, não estariam tutelando tão preciosos valores  que respeitam à personalidade moral de cada pessoa, acaso a justiça pudesse ao cabo, desconhecer e inimputar a desonra, porque o menor não pôde captar e bem compreender a ofensa, nem mesmo a extensão do dano sofrido.

        Com o advento da Carta Política de 1988, seguindo exegese universal, terminaram sendo suprimidos todos os finais resquícios jurídicos que porventura ainda pudessem importar n'alguma segregação no tocante à filiação. Portanto, frente aos princípios gerais de direito que imperam em todas as nações civilizadas, sobrelevam como filosofia de vida, os interesses dos menores sobre qualquer outro interesse juridicamente chancelado, soando como insustentável incoerência que o direito à honra e em especial, o direito do filho ao apelido de família, sua identidade pessoal, pudesse ficar ao desamparo e à distância da ofensa que a injustificada recusa ao reconhecimento da paternidade  realmente provoca.

        Por sinal, foi justamente no encalço de satisfazer o direito à identidade e à integridade moral da criança, tutelando seus prioritários interesses, que também surgiu no Brasil a averiguação oficiosa da paternidade, regulamentada pela Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992. Como adverte Fernando Brandão Ferreira Pinto [23] a imediata verificação oficiosa da paternidade dos filhos havidos fora do casamento, busca estabelecer o mais cedo possível, a paternidade, para que não fique sua investigação dependendo da iniciativa dos interessados diretos, nem permitir sua proposição somente após a morte do indigitado pai, pois, tais atitudes, representam permitir que os filhos cresçam ao abandono, sem qualquer educação e amparo, negando com a concretização da perfilhação o sadio direito da criança formar sua verdadeira personalidade, inclusive, com tardia exigência dos bens materiais tão caros e necessários numa certa passagem da vida.

       

        6. Dano causado ao filho.

     

        Impõe-se a interrogativa para saber se o repúdio paterno ao reconhecimento do filho, cerceando-lhe voluntariamente o direito inerente à sua identidade pessoal, representada pelo uso do nome de seu pai biológico, complemento da sua qualificação social, configura um dano moral, pois que, sem sombra de dúvida, presente sempre o dano material, perfeitamente aferível pelos prejuízos que se registram pela negativa das oportunidades materiais que os pais devem colocar ao dispor dos filhos, atentos que devem estar ao amparo e à educação da prole.

        O direito à identidade pessoal, ao uso do nome, está associado à dignidade e à reputação social do filho não registrado. O pai que recusa o reconhecimento espontâneo do filho, com este ilícito se opõe à felicidade do rebento, atinge e lesiona um direito subjetivo do menor, juridicamente resguardado e que, é violado pela atitude reticente do reconhecimento, impedindo que o descendente conte com seu apelido paterno; desconsiderando a criança no âmbito das suas relações, e assim, criando-lhe inegáveis carências afetivas, traumas e agravos morais que crescem de gravidade, no rastro do próprio desenvolvimento mental, físico e social do filho que padece com a antijuriscidade do injusto repúdio público que lhe faz o pai ao lhe negar o nome, a sua identidade, o atributo da sua personalidade.

        São valores impostergáveis, que formam a coluna espiritual da pessoa; ela depende desta estrutura familiar, que diz Rodrigo da Cunha Pereira [24]existe antes e acima do Direito, "para que o indivíduo possa, inclusive, existir como cidadão e trabalhar na construção de si mesmo e das relações interpessoais e sociais...".

        Não tem sido da prática jurisprudencial brasileira a reparação moral da conduta omissiva paterna ao reconhecimento da filiação.

        Entrementes, é bom lembrar que a punição pecuniária pelo dano imaterial tem um caráter nitidamente propedêutico, e, portanto, não objetiva propriamente, satisfazer à vítima da ofensa, mas sim, castigar o culpado pelo agravo moral e, inclusive, estimular aos demais integrantes da comunidade, recorda Omar U. Barbero[25]a cumprirem os deveres éticos impostos pelas relações familiares.

        É altamente reprovável e moralmente danosa a recusa voluntária ao reconhecimento da filiação extramatrimonial e certamente, a intensidade deste agravo cresce na medida em que o pai posterga o registro de filho que sabidamente é seu, criando em juízo e fora dele, todos os obstáculos possíveis ao protelamento do registro da paternidade, que ao final, termina por ser judicialmente declarada.

        Tenho que pertine cumular a ação de investigação de paternidade com o pedido de ressarcimento por dano moral, decorrente do ato ilícito de recusa ao reconhecimento desta mesma paternidade, não se confundindo o dano moral com a litigância de má fé, porquanto, embora a má fé da litigância, figure como punição processual, para reparar postergação do processo, ela não ampara, por sua gênese, a lesão moral que exsurge da relutância de má fé, assim vista a voluntária inconseqüência com os resultados previsíveis do filho propositadamente privado de contar com o sobrenome paterno e que por isto mesmo, durante sensível tempo não pôde ser considerado no âmbito das suas relações humanas como descendente de seu progenitor.

        É como de ordinário tem decidido a jurisprudência alienígena, com interessantes arestos recolhidos dos tribunais argentinos, que entendem e ordenam, deva ser ressarcido o dano moral, que implica na violação dos direitos à personalidade de um sujeito, a quem se infere uma dor injusta, ao abandoná-la nos momentos mais difíceis da sua vida, negando-lhe logo a paternidade, depreciando à sua ex-amante em seus mais íntimos sentimentos e elidindo ao filho a inscrição de seu apelido paterno no Registro Civil. Ou como decidiu a Sala L, CNCiv, em 14.4.94 - de que "As lesões sofridas por quem intenta obter sua filiação, atentam contra a honra, o nome, a honestidade, as afeições legítimas e a intimidade. Isto permite que se faça credora da indenização que reclama por dano moral, sem prejuízo que o menor, na oportunidade pertinente, possa reclamar ao demandado uma condigna reparação."

        Transitar pela vida, em tempo mais curto ou mais longo, sem o apelido paterno, com sua identidade civil incompleta, causa em qualquer pessoa um marcante dano psíquico, máximo na etapa de seu crescimento e da sua formação moral, caracterizada pela extrema sensibilidade, a suscitar insegurança e sobressaltos na personalidade psíquica do descendente, posto que o priva o pai de um direito que pertence ao menor pelo decorrer do vínculo biológico que se apresentou no momento da sua concepção.

        Pois, como se pronunciou a jurisprudência argentina que inspira este trabalho, em recente decisão, "se a filiação e o apelido, como atributos da personalidade, não podem ser desconhecidos legalmente, e a ordem jurídica procura sua concordância com a ordem biológica, aquele que ilide voluntariamente seu dever jurídico de reconhecer seu filho, resulta responsável pelos danos ocasionados a quem tem o direito de ser incluído no respectivo estado de família." [26]

         

        7. Quantificação do dano moral.

        Evidentemente que hodiernamente não mais se retorna à idéia de que o dano moral não deveria ser ressarcido, porque não havia como valorar a dor íntima, como exprimir em dinheiro o bem moral. Clayton Reis [27]oportunamente observa, que o homem, para viver em sociedade, necessita preservar os seus valores individuais, tanto quanto precisa deles para integrar-se no convívio social e quando, este indivíduo é socialmente segregado no processo consuetudinário de sociabilização, evidentemente que esta lesão, por sua gravidade, pode e precisa ser reparada e o Estado tutela o direito da personalidade, restando estabelecer a liquidação processual do dano causado.

        Seguramente que a indenização imaterial pela voluntária recusa ao reconhecimento da paternidade biológica não visa apurar fortunas, de que são exemplos países de outro hemisfério. Esta não é a realidade brasileira, e muito menos se apresenta como a útil razão de reparo pecuniário do abalo moral. Já visto que a compensação financeira da dor moral, tem uma função punitiva, moralizadora, ou, sob a ótica do transgressor, tem a finalidade de desestimular outras idênticas agressões ao inerente direito de carregar desde o nascimento com vida, a integral personalidade civil e social.

        A reparação do dano moral não visa reconstruir qualquer patrimônio da pessoa vitimada, indenizá-la tal como quando sofre um prejuízo material facilmente aferível. Antes, almeja compensar satisfatoriamente o sofrimento passado, sendo o dinheiro a única forma conhecida, de proporcionar meios para que a vítima minore seu sofrimento, enquanto que para o agressor, anota Clayton Reis [28]tem um sentido punitivo, que encara a pena pecuniária como uma diminuição do seu patrimônio material em decorrência do seu ato lesivo.

        A indenização se dará em procedimento de liquidação por arbitramento, da sentença transitada em julgado, que não somente reconheceu a paternidade do investigante, como também, em pedido cumulativo, condenou o pai relutante em danos morais, cuja quantificação jamais buscará apagar o dano moral causado, mas, antes, apenas compensá-lo, consagrando o reconhecimento e o valor jurídico deste bem imaterial e o arbitramento do quantum devido, estará em conformidade com as circunstâncias do caso e a situação econômica do responsável pela ofensa, pois, em caso contrário, jamais servirá como modelo de postura para a contundente repreensão de tão nefasta ofensa.

fonte:http://www.rolfmadaleno.com.br/rs/index.php?option=com_content&task=view&id=29

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